"Não há vontade política para reabrir o processo"

Gonçalo Amaral afirma que as autoridades quiseram abandonar o caso Maddie

por Duarte Levy no 24 Horas

Numa entrevista gravada em Vigo, Espanha, em Outubro do ano passado, mas só agora revelada, o ex coordenador da PJ, Gonçalo Amaral, acusa as autoridades portuguesas de não terem vontade política para reabrir o processo e as investigações ao desaparecimento de Madeleine McCann.
“A vontade política não é nenhuma, não há vontade política para reabrir,” acusou o antigo responsável pelas investigações acrescentando que “quando se arquiva um processo deste tipo, com tantas diligências por tratar, com tantos factos que tinham de ser esclarecidos, é porque não havia vontade de continuar com a investigação e isso foi nítido quando saímos da investigação no dia 2 de Outubro”.
Para Gonçalo Amaral, houve uma clara intenção das autoridades portuguesas em abandonar as investigações e “agora será muito difícil o processo ser reaberto”.
Na entrevista, disponível em vídeo na internet (http://joana-morais.blogspot.com), Gonçalo Amaral denuncia a existência de “situações no processo não foram tidas em conta, que nem foram lidas ou conhecidas por quem tinha o dever de conhecer,” sublinhando que a declaração do casal de médicos ingleses que se referem a umas férias em Maiorca, onde se dão conta de “gestos e palavras a indiciar a existência de um abusador de menores” naquele grupo de pessoas que estavam a passar férias” não foram tidas em conta antes de o processo ter sido arquivado.
Para Gonçalo Amaral, os responsáveis do ministério público não devem ter lido os detalhes do processo, acrescentando que ele “não acredita que tivessem lido tais declarações e tenham passado por cima disso”.

Ingleses acusados de bloqueio

O autor de “Maddie : A Verdade da Mentira”, livro de sucesso que continua sem ser editado em Inglaterra, a propósito da colaboração com as autoridades britânicas, acusou ainda o “topo da hierarquia da polícia inglesa” de ter bloqueado o avanço das investigações.
Segundo o ex PJ, no terreno, a colaboração com os oficiais ingleses “foi muito estreita, muito intensa,” mas as coisas não avançavam quando se chegava à hierarquia.

Caso confidencial em Inglaterra

Durante o inquérito ao desaparecimento de Madeleine McCann, os polícias ingleses foram “convidados” a assinar um documento de confidencialidade que os impede ainda hoje de falarem sobre o que se passou em Portugal ou em Inglaterra, um procedimento que não é normal na polícia inglesa. “É normal nos casos de serviços secretos, e esse documento assina-se logo que se começa. Agora com a polícia de investigação criminal, isso não acontece,” disse Amaral.
O ex coordenador do DIC da Policia Judiciária de Portimão vai mais longe e lembra que foi Stuart Prior, um dos mais importantes responsáveis da policia inglesa enviados a Portugal, quem disse, a propósito dos indícios recolhidos contra os pais de Madeleine, que “com muito menos já tinha detido pessoas em Inglaterra”.

Duarte Levy

As muitas baixas no caso da menina raptada no Algarve

(Publicado na edição de hoje do 24 Horas)

A investigação ao desaparecimento de Maddie, para além da sua enorme mediatização no mundo inteiro, ficou marcado por um número importante de baixas entre os diplomatas e policias que participaram ou tocaram neste caso tão sensível.
Em Portugal, depois da saída de Gonçalo Amaral, afastado das investigações ao caso Maddie a pedido das autoridades britânicas, da Policia Judiciária (PJ) saiu ainda o então director nacional, Alípio Ribeiro, bem como diversos outros inspectores.
Guilhermino Encarnação, director nacional adjunto, responsável pela Directoria de Faro no momento da desaparição de Madeleine McCann, poderá ser a próxima baixa confirmada neste caso. O homem que ficou conhecido na investigação por ter impedido Gonçalo Amaral de proceder ao interrogatório de Kate McCann num momento em que esta estava, segundo os vários inspectores presentes no local, “pronta para falar”, encontra-se de baixa prolongada por motivos de saúde e não vai voltar mais ao activo.
Não obstante os problemas de saúde do ex-director, uma fonte interna da PJ no Algarve avança que Guilhermino Encarnação só terá entrado de baixa após as declarações de um antigo detective privado espanhol revelando a existência de uma “toupeira” no interior da PJ que teria fornecido, durante meses, informações à agência Método 3 que trabalhava para os McCann.
Segundo as declarações do antigo operacional da Método 3, confirmadas aliás por uma fonte da PJ, a “toupeira” não seria o director da PJ em Faro mas sim um seu próximo e protegido.
Também do lado britânico caíram alguns diplomatas e policias, de entre eles o embaixador e o cônsul em Portugal, respectivamente John Buck e Bill Henderson.
O embaixador John Buck foi substituído a 10 de Setembro de 2007, no dia seguinte à constituição de Kate e Gerry McCann como arguidos. Um mês mais cedo, em Agosto do mesmo ano, já o cônsul no Algarve, Bill Henderson, se tinha demitido abandonando completamente a carreira diplomática. A sua substituta, Célia Edwards, acabaria também por não ficar muito tempo em Portugal.
Do Foreign Office também saíram Sheree Dodd e Clarence Mitchell, a primeira para responsável da comunicação do parlamento inglês e o segundo, para porta-voz oficial do casal McCann, mantendo no entanto, durante algum tempo, uma “relação privilegiada” com o governo britânico.

Duarte Levy

Espiões no caso Maddie

(Publicado hoje no jornal 24 Horas)
Os ingleses não mostraram aos polícias portugueses as imagens, no dia de desaparecimento de Maddie, dos satélites que apontam ao Algarve. Disseram que, por coincidência, nessa altura os satélites estavam todos virados para Marrocos. E a polícia inglesa declarou agora que na investigação McCann estarão envolvidos os serviços secretos.


Em Maio de 2007, alguns dias depois de Maddie ter desaparecido, um alto responsável do Departamento de Investigação Criminal (DIC) da Policia Judiciária (PJ) pediu aos colegas ingleses enviados à Praia da Luz para ter acesso às imagens dos satélites que vigiam a zona algarvia.
Se o pedido em si podia ser considerado como normal pois, no passado, as imagens satélite já serviram para ajudar as autoridades a solucionar um ou outro caso, a resposta surpreendeu. Segundo os “especialistas” enviados pelo governo britânico a Portugal, à hora a que Madeleine McCann foi levada do apartamento 5A do Océan Club, todos os satélites estavam virados para as costas marroquinas.
Uma “coincidência” infeliz que acabaria por surpreender os homens da PJ quando, meses mais tarde, viram os mesmos “especialistas” defender a tese do rapto de Madeleine para Marrocos, apoiada nomeadamente pelas declarações fantasistas de uma agência de detectives espanhola, a Método 3, que, em declarações públicas, até dizia saber quem tinha levado a menina, porquê e como, prometendo mesmo o seu regresso a casa antes do Natal.

Um caso de Estado

Mas o caso dos satélites virados para o “lado errado” não é único. Em Inglaterra, a polícia do Leicestershire, em resposta a um pedido de um jornalista britânico, ao abrigo de um decreto que regula o livre acesso à informação, recusou-se a explicar se o recurso a escutas telefónicas e intercepção de correio electrónico no âmbito das investigações ao caso Madeleine McCann estaria coberto, ou não, por um mandado.
Segundo o jornalista Jon Clements, a polícia, depois de ter protelado a sua resposta durante vários meses alegando necessitar de consultar outras “Agências”, respondeu que não tinha obrigação de explicar em que termos foram utilizados quaisquer meios de vigilância no caso Maddie, por razões de “segurança nacional”.
A polícia do Leicestershire explicou ainda ao jornalista que estava igualmente dispensada de lhe responder, porque a explicação poderia estar relacionada com outros “organismos de segurança”, o que, de acordo com o decreto que regula o livre acesso à informação, significa os diversos organismos dos serviços secretos, tipo MI5, MI6, GCHG, SOCA ou as Forças Especiais.

Nem Sócrates os assustou

O desaparecimento de Madeleine McCann mereceu, desde o primeiro momento, uma atenção muito especial por parte das autoridades britânicas: um gabinete de crise especialmente dedicado ao apoio ao casal McCann foi criado no seio do Foreign Office ainda antes da chegada ao local dos primeiros inspectores da Policia Judiciária.
A importância dada pelo governo britânico ao casal McCann ultrapassou todas as expectativas e mesmo os elementos dos serviços secretos de Sua Majestade que se deslocaram a Portugal, acabaram por se mostrar surpreendidos com a facilidade com que Kate e Gerry McCann entravam em contacto com Tony Blair ou Gordon Brown.
O empenho do governo britânico foi tal que nem a intervenção pública do primeiro-ministro português, José Sócrates, pedindo aos políticos para não interferirem nas investigações ao desaparecimento de Maddie, conseguiu convencer os ingleses de deixarem a PJ trabalhar em paz.

(Ler versão completa em português )

Duarte Levy